O sistema educacional brasileiro está tão doente, e há tanto tempo, que terminou propiciando o florescimento de uma nova especialidade médica: a “educaciologia”? Foi esse quadro patológico que nos levou à presença do Dr. Salvano, famoso “educaciólogo” brasileiro. Em seu consultório, após a saída dos últimos “educaciopatas” (um professor e um aluno), concedeu-nos ele esta entrevista exclusiva.
JPA | O senhor acha que o nosso sistema educacional está realmente doente? | |
Dr.Salvano | Sim. Muito, principalmente pela ação virulenta de uma bactéria denominada “magister nula pecunia”… E por isso mesmo é que seu ventre, ano a ano, vem gerando um pária, o mais visível pária intelectual da sociedade brasileira: o professor ! O magistério, hoje, já não passa de um “lumpensanato cultural” da classe média. Dele, lamentavelmente, o magistério é o seu contingente mendigo. | |
JPA | E apesar disso, a sociedade continua lhe atribuindo alguma missão? | |
Dr.Salvano | Simplesmente a execução da mais importante metamorfose existente na humanid ade; a de transformar um ser inacabado em um produto culturalmente acabado. | |
JPA | E quanto vale essa operação? | |
Dr.Salvano | Não creio que essa “manufatura” tenha preço calculável – tal o seu valor – embora, ironicamente, o seu agente (pelo que faz) seja a mão de obra qualificada das mais baratas encontradas na praça. | |
JPA | Como o senhor estabelece a relação custo/benefício de professor/aluno? | |
Dr. Salvano | Essa relação é de um desequilíbrio inacreditável. O custo atual de um professor, se cotejado com o benefício futuro de um aluno, desemboca numa equação escandalosa, onde o aluno será, provavelmente, um tesouro e o professor, certamente, é uma pechincha. | |
JPA | O senhor vê solução para essa situação? | |
Dr.Salvano | Vejo. A curtíssimo prazo é o suicídio coletivo do professorado. Se todo ele se matasse, a sociedade iria lhe dar tanto valor – tamanha a falta que lhe faria – que, imediatamente, se arregimentaria (até por instinto de sobrevivência) para fazer surgir de suas cinzas um magistério brilhante, de primeira grandeza e permanentemente estimulado. | |
JPA | E a médio prazo? | |
Dr. Salvano | Parar com este discurso repetitivo, que todo o mundo já está cansado de ouvir, e partir para planejar a terapia. | |
JPA | Como? | |
Dr.Salvano | Na área de educação, há simpósios, congressos, seminários, cursos, encontros e tudo o mais o que a fala e a escrita comportam, mas eu nunca vi – nunca! – um evento específico subordinado ao tema “COMO MULTIPLICAR O SALÁRIO DO PROFESSOR”. E isso é básico! Os temários dos inúmeros (que não falam de números)… eventos educacionais incluem avaliação, planejamento, conteúdos programáticos, qualidade total, neurolinguística, didática dinâmica, informática na pedagogia e muitos outros itens cuja importância não questiono mas que de nada valerão se o professor não se mantiver vivo e professor – como não é faquir para, incólume, resistir à fome – está se tornando, aceleradamente – como o mico dourado … – uma espécie em extinção. | |
JPA | O que o senhor, então, está sugerindo é um encontro só para tratar da multiplicação salarial do professor? | |
Dr.Salvano | Exatamente. Para tratar do “cifrão cio mestre” e nada mais. Seria um “toque de reunir” diretores de escolas, tributaristas, educadores, agentes do poder público e políticos para, juntos, criarem formas de triplicar ou quadruplicar a remuneração do magistério de modo a tornar os vestibulares das Faculdades de Educação (atualmente com muito mais vagas do que candidatos) no mais disputado entre todos os demais vestibulares. O velho Brasil, então, voltaria a sorrir, de norte a sul, com todo o mundo querendo ser professor… | |
JPA | – E por que essa preocupação só com os ganhos do magistério, se há outras categorias também muito mal remuneradas em nosso país? | |
Dr.Salvano | Por causa do inigualável efeito multiplicador do profissional de educação. Não há qualquer outro profissional tão produtivo quanto o professor. É de seu saber que decorre tudo o mais que se faz na face da terra. Um pais não enriquece quando empobrece o seu professorado. Manter em R$1.567,00 o piso nacional do professor não é só “pisá-lo”: é espezinhá-lo!… |
Escrito por João Pessoa de Albuquerque
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